O Ministério Público Federal (MPF) recomendou a autoridades do Amazonas e de Manaus que alterem nomes de ruas, avenidas e prédios públicos que homenageiam colaboradores da ditadura militar (1964-1985). A medida busca alinhar a memória pública aos princípios do Estado Democrático de Direito.
O documento foi encaminhado ao governo estadual, à Prefeitura de Manaus, à Assembleia Legislativa do Amazonas (Aleam), à Câmara Municipal e ao Comando Militar da Amazônia (CMA).
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MPF pede mudança de nomes de ruas ligados à ditadura
Segundo o MPF, manter homenagens a agentes do regime militar contraria os fundamentos democráticos do país. A recomendação cita que tais referências públicas violam o pluralismo político e a dignidade das vítimas da repressão.
“Configura prática incompatível com a institucionalidade de um Estado Democrático de Direito, fundado no pluralismo político, a perpetuação da memória pública […] de colaboradores de regimes que restringiram liberdades civis e políticas”, afirma o texto.
O procurador Igor Jordão Alves, responsável pela recomendação, destacou que o objetivo é promover a revisão crítica de símbolos públicos associados a períodos autoritários.
Estudo técnico deve ser apresentado em até 90 dias
O MPF estabeleceu prazos para o cumprimento da recomendação. Em até 90 dias, os órgãos devem apresentar um levantamento técnico de todos os espaços públicos com nomes ligados à ditadura.
Após a entrega do estudo, o prazo para a efetiva mudança dos nomes é de 120 dias. A recomendação inclui ruas, avenidas, praças, prédios e monumentos sob responsabilidade dos entes públicos.
O documento também orienta que os órgãos municipais e estaduais evitem novas nomeações que façam referência a pessoas ligadas à repressão durante o regime militar.
Comando Militar da Amazônia deve evitar exaltação ao golpe
Em relação ao Comando Militar da Amazônia, o MPF foi direto. Recomendou que a instituição se abstenha de promover homenagens ou publicações alusivas ao golpe de 1964.
Segundo o procurador, entre 2019 e 2022, o Comando Militar da Amazônia participou de ações comemorativas ao regime militar, período em que o governo federal, sob Jair Bolsonaro, incentivou a exaltação ao golpe.
Para o MPF, tais atitudes violam os princípios constitucionais e reforçam uma narrativa incompatível com a democracia.
Arquivos sobre vítimas da ditadura devem ser entregues
O MPF também solicitou que o Comando Militar da Amazônia encaminhe, em até 180 dias, todos os arquivos e documentos que mencionem pessoas mortas, desaparecidas ou torturadas no Amazonas durante o regime militar.
O objetivo é ampliar a transparência e a preservação da memória das vítimas. A medida segue diretrizes da Comissão Nacional da Verdade e de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil é signatário.
O MPF reforça que a revisão de homenagens públicas está em consonância com o direito à verdade e à memória, garantido pela Constituição Federal.
Recomendações não são obrigatórias, mas podem gerar ações
A recomendação do MPF não tem caráter compulsório, mas o procurador Igor Jordão Alves alertou que o descumprimento pode gerar responsabilizações.
“Autoridades que se omitirem poderão ser processadas nas esferas civil, administrativa e criminal”, afirmou o procurador.
Segundo ele, a omissão pode configurar ato de improbidade administrativa, além de violação de tratados internacionais de direitos humanos.
Contexto histórico: ditadura e homenagens públicas
Durante o regime militar, milhares de pessoas foram perseguidas, torturadas e mortas. No Amazonas, segundo dados da Comissão Nacional da Verdade, ao menos 15 pessoas foram vítimas diretas da repressão.
A prática de nomear vias e prédios públicos com nomes de militares ou civis ligados ao regime foi comum nas décadas seguintes ao golpe. Muitas dessas homenagens permanecem até hoje em diversas cidades brasileiras.
Em Manaus, ruas como a Marechal Castelo Branco e avenidas como a General Rodrigo Otávio fazem referência a figuras do regime. A recomendação do MPF pode impactar diretamente essas denominações.
Exemplos de mudanças semelhantes no Brasil
Outras cidades já adotaram medidas semelhantes. Em 2013, o Rio de Janeiro alterou o nome da Rua Presidente Médici para Rua Jornalista Aparício Torelly, em homenagem ao Barão de Itararé.
Em São Paulo, a Câmara Municipal aprovou em 2021 a retirada de homenagens a agentes da repressão de espaços públicos. A medida incluiu a renomeação de escolas e praças.
Essas ações seguem recomendações da Comissão Nacional da Verdade, que defende a desmilitarização simbólica dos espaços públicos.
Impacto político e institucional no Amazonas
A recomendação do MPF pode gerar repercussões políticas na Assembleia Legislativa e na Câmara Municipal de Manaus. Parlamentares com visões divergentes sobre o regime militar podem usar o tema como palanque político.
Além disso, a medida pode influenciar a política de memória institucional do governo estadual e da prefeitura. A eventual mudança de nomes pode exigir alterações em documentos oficiais, endereços e sinalizações urbanas.
Entidades de direitos humanos no Amazonas, como o Centro de Direitos Humanos de Manaus, apoiam a medida e defendem que a cidade avance na reparação simbólica das vítimas.
Próximos passos e desdobramentos possíveis
As autoridades têm até 90 dias para apresentar o levantamento técnico. A partir daí, o MPF deve acompanhar o cumprimento da recomendação e poderá judicializar o caso em caso de inércia.
O tema pode ser debatido em audiências públicas, tanto na Aleam quanto na Câmara de Manaus. A sociedade civil poderá participar e sugerir novos nomes para os espaços que forem renomeados.
O MPF também poderá solicitar o apoio do Tribunal de Contas da União (TCU) e do Supremo Tribunal Federal (STF) caso haja resistência institucional à medida.
A recomendação representa um marco na revisão crítica da história recente do país e pode abrir precedentes para outras ações semelhantes em estados como São Paulo, Rio Grande do Sul e Pernambuco.