Revista íntima vexatória nos presídios em debate no STF

STF analisa a legalidade da revista íntima em presídios, ponderando segurança e direitos fundamentais.

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O Supremo Tribunal Federal (STF) retoma nesta quarta-feira (2) o julgamento sobre a legalidade da revista íntima vexatória nos presídios. A discussão gira em torno de um recurso do Ministério Público, que busca reverter a absolvição de uma mulher flagrada com 96 gramas de maconha escondidas no corpo ao tentar entrar em um presídio de Porto Alegre.

O caso, que tramita no STF desde 2016, pode estabelecer diretrizes nacionais para a realização de revistas em visitantes de unidades prisionais. O relator, ministro Edson Fachin, já votou contra a prática da revista íntima sem justificativa e propôs regras mais rígidas para preservar a dignidade dos visitantes.

Revista íntima vexatória nos presídios: o que está em jogo

A discussão no STF gira em torno da constitucionalidade da revista íntima realizada sem justificativa concreta. O processo envolve uma mulher que foi inicialmente condenada por tráfico, mas posteriormente absolvida pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS). A corte estadual entendeu que a prova foi obtida por meio de procedimento ilegal, violando direitos fundamentais.

O recurso do Ministério Público pede a reversão da absolvição, alegando que a droga foi encontrada com base em procedimento legítimo. No entanto, o relator Edson Fachin defende que a revista íntima só pode ocorrer em situações excepcionais e com respaldo técnico, como o uso de scanners e raio-x.

Voto de Fachin propõe novas regras para revistas

Em seu voto, Fachin declarou que a revista íntima sem indícios objetivos configura violação à dignidade humana. O ministro defendeu que o Estado deve garantir a segurança nas prisões sem recorrer a práticas constrangedoras. Para isso, propôs que revistas íntimas só ocorram mediante:

  • Indícios concretos de tentativa de entrada de objetos ilícitos;
  • Uso de equipamentos como raio-x e scanners corporais;
  • Informações de inteligência ou comportamento suspeito do visitante.

Além disso, Fachin determinou um prazo de 24 meses para que os presídios adquiram os equipamentos necessários. Caso as novas regras não sejam seguidas, provas obtidas por meio de revistas vexatórias poderão ser invalidadas.

Divergências entre ministros sobre revista íntima

Durante as sessões anteriores, alguns ministros apresentaram posições divergentes. Cristiano Zanin e Flávio Dino sugeriram ajustes pontuais ao voto do relator. Já Alexandre de Moraes divergiu de forma mais ampla.

Moraes defendeu que a revista íntima pode ser realizada em casos excepcionais, desde que o visitante consinta e não haja equipamentos eletrônicos disponíveis. Para ele, o Estado deve preservar a segurança das unidades prisionais, mesmo diante da ausência de tecnologia adequada.

Essa posição abre margem para a manutenção da prática em locais onde ainda não há estrutura tecnológica, o que pode afetar diretamente presídios em regiões com menor investimento, como o Norte do país.

Impactos para o sistema prisional do Amazonas

O julgamento pode ter efeitos diretos sobre o sistema prisional do Amazonas, que enfrenta desafios estruturais e superlotação. Segundo dados da Secretaria de Segurança Pública do Amazonas (SSP-AM), o estado tem 13 unidades prisionais, muitas delas com déficit de equipamentos de inspeção eletrônica.

Em Manaus, o Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj) é um dos maiores do estado e já foi palco de rebeliões violentas. A ausência de scanners corporais pode dificultar o cumprimento imediato das diretrizes propostas por Fachin, caso sejam aprovadas pela maioria do STF.

Além disso, a Defensoria Pública do Estado do Amazonas já denunciou práticas vexatórias em revistas íntimas, especialmente contra mulheres. A decisão do STF pode fortalecer a atuação de defensores públicos na proteção de direitos dos visitantes.

Contexto jurídico e histórico da revista íntima

A revista íntima vexatória é alvo de críticas há anos por organizações de direitos humanos. A Anistia Internacional e o Conectas Direitos Humanos já denunciaram a prática como desumana e discriminatória, especialmente contra mulheres negras e pobres.

Em 2014, o Congresso Nacional aprovou a Lei nº 13.102/2015, que proíbe a revista íntima vexatória em visitas a crianças e adolescentes internados. No entanto, não há legislação federal que regule expressamente o tema no sistema prisional adulto.

Assim, a decisão do STF pode preencher essa lacuna normativa e estabelecer um padrão nacional, com base nos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da inviolabilidade da intimidade.

Desdobramentos políticos e institucionais

Uma decisão do STF contra a revista íntima vexatória pode gerar impactos legislativos. O Congresso poderá ser pressionado a regulamentar o tema por meio de projeto de lei. Atualmente, tramitam na Câmara dos Deputados propostas como o PL 7764/2014, que proíbe a prática em todo o território nacional.

Governos estaduais também terão que se adequar à decisão, investindo em tecnologia e treinamento de agentes penitenciários. No Amazonas, o desafio será maior, dada a limitação orçamentária e a necessidade de modernização das unidades prisionais.

O Ministério da Justiça, por meio do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), poderá atuar na coordenação da implementação das novas regras, inclusive com repasses de recursos para aquisição de equipamentos.

Reflexos para familiares de detentos

A decisão do STF também afeta diretamente os familiares de pessoas privadas de liberdade. Segundo levantamento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), mais de 70% dos visitantes em presídios são mulheres, muitas delas mães, esposas ou irmãs dos detentos.

Essas mulheres frequentemente enfrentam situações constrangedoras durante as visitas. A adoção de critérios objetivos e o uso de tecnologia podem reduzir abusos e garantir maior respeito aos direitos humanos.

Organizações da sociedade civil defendem que o julgamento seja um marco na humanização do sistema prisional brasileiro, especialmente em estados como o Amazonas, onde a fiscalização é mais frágil.

Próximos passos no julgamento

Com a retomada do julgamento nesta quarta-feira, o STF deverá ouvir os votos dos demais ministros. A expectativa é de que a Corte forme maioria até o fim da semana, definindo o entendimento que orientará o Judiciário e os sistemas prisionais em todo o país.

O resultado terá efeito vinculante, ou seja, deverá ser seguido por todas as instâncias do Judiciário. Também poderá influenciar decisões administrativas de secretarias estaduais de administração penitenciária.

Independentemente do resultado, o julgamento representa um avanço no debate sobre segurança e direitos humanos no Brasil. A decisão poderá equilibrar o combate ao crime com o respeito à dignidade dos cidadãos, inclusive no contexto prisional.

 

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