O Ministério Público Federal (MPF) denunciou nesta segunda-feira (31) 13 ex-executivos do Grupo Americanas por fraudes contábeis que somam quase R$ 25 bilhões. A denúncia foi protocolada na Justiça Federal do Rio de Janeiro e aponta a existência de uma organização criminosa dentro da companhia.
Segundo o MPF, o grupo teria manipulado balanços financeiros para inflar lucros e enganar investidores. A prática teria ocorrido entre 2016 e 2022, período em que Miguel Gutierrez ocupava o cargo de CEO.
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MPF denuncia ex-executivos das Americanas por organização criminosa
De acordo com a denúncia, Gutierrez liderava o esquema e usava sua posição hierárquica para coordenar as fraudes. Ele trabalhou na empresa por 30 anos e comandou o grupo por duas décadas. A acusação destaca que a fraude visava manipular o valor das ações da Americanas, da B2W e das Lojas Americanas na bolsa de valores.
Além de Gutierrez, foram denunciados Anna Saicali (ex-CEO da B2W), Timotheo Barros e Marcio Cruz (ex-vice-presidentes), e outros nove ex-diretores: Carlos Padilha, João Guerra, Murilo Corrêa, Maria Christina Nascimento, Fabien Picavet, Raoni Fabiano, Luiz Augusto Saraiva Henriques, Jean Pierre Lessa e Santos Ferreira.
Esquema contábil gerou prejuízo bilionário a acionistas e credores
O MPF afirma que o grupo fraudava os balanços ao registrar como receita operações de crédito para pagar fornecedores. A prática mascarava a real situação financeira da empresa, gerando lucros fictícios.
Com isso, os papéis da Americanas eram valorizados artificialmente, o que beneficiava os executivos e prejudicava investidores, credores e o mercado. O esquema teria funcionado por pelo menos seis anos, até a saída de Gutierrez, em dezembro de 2022.
A fraude só veio à tona em 11 de janeiro de 2023, quando a nova gestão identificou “inconsistências contábeis” e comunicou o mercado. O então CEO, Sergio Rial, deixou o cargo menos de dez dias após assumir.
Provas incluem e-mails, mensagens e delações premiadas
O MPF reuniu provas documentais e digitais para embasar a denúncia. Entre os elementos estão e-mails e mensagens de WhatsApp trocadas entre os executivos, em que discutem como evitar auditorias e esconder as fraudes.
Além disso, três dos investigados firmaram acordo de colaboração premiada com o Ministério Público. Eles detalharam o funcionamento do esquema, confirmando o envolvimento de Gutierrez e dos demais denunciados.
As delações revelam que a maquiagem contábil era sistemática e envolvia diversas áreas da empresa. Os documentos mostram divergências entre a contabilidade real e a apresentada ao mercado e aos órgãos reguladores.
Ex-CEO fugiu para a Espanha e responde em liberdade
Antes da divulgação do escândalo, Gutierrez deixou o Brasil e foi para a Espanha, onde também possui cidadania. Ele chegou a ser preso, mas foi liberado após prestar depoimento e entregar o passaporte.
O ex-executivo responde a processos em liberdade, mas está sujeito a medidas cautelares. O MPF avalia pedir sua extradição, caso descumpra as condições impostas pela Justiça espanhola.
Americanas reconhece dívida de R$ 50 bilhões e entra em recuperação
Após o escândalo, a Americanas entrou com pedido de recuperação judicial em janeiro de 2023. O plano foi homologado pela Justiça em fevereiro do mesmo ano, após negociações com credores e acionistas.
O grupo reconheceu dívidas superiores a R$ 50 bilhões, envolvendo mais de 9 mil credores. Entre os maiores estão os bancos Bradesco, BTG Pactual, Itaú e Santander, que juntos concentram 35% do valor devido.
A dívida trabalhista da empresa ultrapassa R$ 89 milhões, afetando diretamente milhares de funcionários e ex-funcionários. O plano de recuperação prevê o pagamento escalonado dos débitos e a reestruturação da companhia.
Acionistas e bancos injetam R$ 24 bilhões para salvar empresa
Para evitar a falência, os três principais acionistas da Americanas — Jorge Paulo Lehman, Carlos Alberto Sicupira e Marcel Telles — se comprometeram a injetar R$ 12 bilhões em recursos próprios.
Além disso, os principais bancos credores aportaram outros R$ 12 bilhões em “dinheiro novo” para manter a operação da empresa. A medida visa preservar empregos, fornecedores e a cadeia de consumo ligada à varejista.
Com a aprovação do plano, a Americanas tenta recuperar sua credibilidade no mercado e reverter os prejuízos causados pela fraude. A empresa permanece sob monitoramento da Justiça e dos órgãos reguladores.
Impacto no mercado e investigações em andamento
O escândalo contábil derrubou o valor de mercado da Americanas. As ações da empresa perderam mais de R$ 70 bilhões em valor nos dias seguintes à revelação do rombo.
O caso também levou a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) a abrir processos administrativos contra os envolvidos. A Polícia Federal segue investigando a responsabilidade de cada executivo.
O Tribunal de Contas da União (TCU) e o Congresso Nacional acompanham os desdobramentos, especialmente no que diz respeito à regulação do mercado financeiro e à proteção dos investidores.
Repercussão no cenário político e econômico
A denúncia do MPF reacendeu o debate sobre governança corporativa e transparência em grandes empresas brasileiras. Parlamentares cobram maior rigor da CVM e mudanças na legislação para evitar novos casos.
O episódio também gerou pressão sobre o Banco Central e o sistema bancário, que sofreu impacto direto com a inadimplência da Americanas. O setor financeiro defende maior fiscalização e auditorias mais rígidas.
Especialistas apontam que o caso pode levar à revisão de normas contábeis e à criação de novos mecanismos de controle interno nas empresas de capital aberto.
Desdobramentos jurídicos e possíveis condenações
Se condenados, os 13 ex-executivos podem responder por organização criminosa, fraude contábil, manipulação de mercado e lavagem de dinheiro. As penas podem ultrapassar 30 anos de prisão, além de multas e bloqueio de bens.
A Justiça Federal do Rio de Janeiro ainda vai analisar a admissibilidade da denúncia. Caso aceita, os réus se tornarão formalmente acusados e poderão ser julgados em ações penais.
O MPF deve apresentar novas denúncias conforme o avanço das investigações. A expectativa é que mais executivos e empresas parceiras sejam responsabilizados nos próximos meses.
Reflexos no Amazonas e na economia regional
Embora o caso envolva uma empresa nacional, o impacto chega ao Amazonas, especialmente no comércio varejista e na cadeia de distribuição. A Americanas possui lojas em Manaus e outras cidades do estado, com forte presença no Polo Industrial.
A recuperação judicial e o corte de investimentos afetaram fornecedores locais e reduziram a oferta de empregos. O governo estadual acompanha o caso por meio da Secretaria de Desenvolvimento Econômico, que avalia medidas para mitigar os efeitos regionais.
O caso também serve de alerta para empresas locais quanto à importância da transparência contábil e da governança, especialmente em um ambiente econômico já pressionado pela inflação e pela instabilidade fiscal.