A Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado aprovou, nesta terça-feira (1º), o Projeto de Lei 2.088/2023, que autoriza o Brasil a adotar medidas de retaliação comercial contra países ou blocos econômicos que prejudiquem produtos brasileiros no comércio internacional.
A decisão ocorre às vésperas do anúncio de um novo tarifaço pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que prometeu impor tarifas recíprocas a países que taxam produtos norte-americanos.
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O texto foi aprovado por unanimidade na CAE e segue, em caráter terminativo, para a Câmara dos Deputados, sem necessidade de votação no plenário do Senado.
Senado aprova projeto de reciprocidade comercial
O projeto estabelece critérios para que o Brasil possa responder a ações unilaterais de países ou blocos econômicos que afetem negativamente a competitividade dos produtos nacionais.
De acordo com o Artigo 1º do PL 2.088/2023, a lei se aplicará a medidas que interfiram nas “escolhas legítimas e soberanas do Brasil”.
O Artigo 3º autoriza a Câmara de Comércio Exterior (Camex), vinculada ao Executivo, a adotar restrições às importações de bens e serviços como forma de contramedida.
Antes de aplicar sanções, o projeto prevê a tentativa de negociação diplomática entre as partes envolvidas.
Reação ao tarifaço de Trump e proteção aos produtos brasileiros
A senadora Tereza Cristina (PP-MS), relatora do projeto, destacou que a proposta não é direcionada apenas aos EUA, mas a todos os países que adotem medidas comerciais injustas contra o Brasil.
“Este é um projeto de proteção aos produtos brasileiros, e não de contramedidas ou contra outros países”, afirmou a parlamentar.
Segundo ela, o projeto garante ao governo a possibilidade de agir caso o Brasil sofra retaliações desproporcionais.
O presidente da CAE, senador Renan Calheiros (MDB-AL), declarou que o projeto é uma resposta legítima ao aumento de tarifas anunciado por Trump.
“Estamos apenas suprindo a legislação brasileira de mecanismos de reciprocidade. Se o governo quiser adotar a reciprocidade, não será por falta de legislação”, disse Renan.
Impacto das leis ambientais da União Europeia
O projeto também surgiu como reação à legislação ambiental da União Europeia, que impõe restrições à importação de produtos de países que não atendam a determinados padrões ambientais.
Essas medidas, segundo a relatora, são consideradas protecionistas e prejudicam especialmente o agronegócio brasileiro.
“O bloco europeu aproveita-se da paralisia do mecanismo de solução de controvérsias da OMC para impor seus padrões ambientais”, escreveu Tereza Cristina em seu relatório.
Ela argumenta que as exigências da UE tornam onerosa a exportação de produtos brasileiros, especialmente os de origem agropecuária.
Paralisação da OMC e guerra comercial global
A Organização Mundial do Comércio (OMC) enfrenta dificuldades para arbitrar disputas comerciais desde que os EUA bloquearam a nomeação de novos juízes para seu órgão de apelação.
Essa paralisação limita a capacidade da OMC de resolver conflitos, o que agrava a guerra comercial iniciada pelo governo Trump.
O projeto brasileiro busca oferecer uma alternativa legal para que o país se defenda em um cenário de crescente protecionismo global.
Como funciona a reciprocidade comercial
O projeto define que as contramedidas poderão ser aplicadas a países ou blocos que adotem políticas discriminatórias, subsídios ilegais ou barreiras técnicas que afetem o comércio com o Brasil.
As medidas poderão incluir aumento de tarifas, restrições à entrada de produtos e exigências técnicas adicionais.
Segundo a proposta, todas as ações deverão ser precedidas por estudos técnicos e justificativas formais.
O texto também prevê que a Camex publique relatórios sobre os impactos das medidas adotadas e os resultados obtidos.
Repercussão no setor produtivo brasileiro
Entidades do agronegócio e da indústria manifestaram apoio à proposta.
A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) afirmou que o projeto fortalece a posição do país em negociações internacionais.
Já a Confederação Nacional da Indústria (CNI) destacou que o Brasil precisa de instrumentos legais para se proteger de práticas comerciais abusivas.
Ambas as entidades defendem que as medidas sejam aplicadas com base em critérios técnicos e respeitando os acordos internacionais.
Possíveis impactos para o Amazonas e a Zona Franca de Manaus
Especialistas apontam que a aprovação do projeto pode beneficiar a Zona Franca de Manaus, que já enfrenta desafios com barreiras comerciais e pressões ambientais externas.
Empresas instaladas na região poderão contar com respaldo legal para contestar medidas que prejudiquem suas exportações.
O governo do Amazonas acompanha de perto as discussões, especialmente diante de possíveis restrições da UE a produtos com origem na Amazônia.
Segundo dados da Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa), mais de 80% das exportações da região são de produtos industrializados, sujeitos a barreiras técnicas e ambientais.
Tramitação e próximos passos na Câmara
Como foi aprovado em caráter terminativo pela CAE, o projeto segue diretamente para a Câmara dos Deputados.
Lá, será analisado pelas comissões temáticas antes de ir ao plenário, caso haja recurso.
O governo federal ainda não se manifestou oficialmente sobre o uso imediato das medidas previstas no projeto.
No entanto, fontes do Ministério da Economia indicam que a proposta pode ser usada como ferramenta estratégica em futuras negociações comerciais.
Contexto histórico e tendências globais
Desde 2018, com o início da guerra comercial entre EUA e China, o mundo assiste a uma escalada de medidas protecionistas.
O Brasil, tradicionalmente defensor do multilateralismo, tem buscado alternativas diante da ineficácia de organismos como a OMC.
A aprovação do PL 2.088/2023 se insere nesse contexto, como tentativa de modernizar a legislação comercial brasileira.
Com a retomada de políticas tarifárias por grandes potências, cresce a pressão para que países emergentes adotem medidas de defesa comercial próprias.
Desdobramentos políticos e institucionais
A proposta pode gerar repercussões diplomáticas, especialmente com os EUA e a União Europeia.
O Itamaraty deverá atuar para evitar retaliações e manter canais de diálogo abertos.
No Congresso, a tramitação na Câmara será acompanhada de perto por bancadas ligadas ao agronegócio e à indústria.
Há expectativa de que o projeto seja votado ainda no primeiro semestre, dada a urgência imposta pelo cenário internacional.
Se aprovado, o PL 2.088/2023 poderá se tornar um marco na política comercial do Brasil, conferindo maior autonomia ao Executivo em disputas comerciais.